A cena é comum: duas crianças brincando com um brinquedo, até que uma delas tenta pegá-lo da outra. Surge o conflito, e com ele a dúvida dos adultos: devo intervir? Devo forçar o compartilhamento? A resposta, segundo a abordagem da disciplina positiva, é não. Em vez de obrigar, o foco deve estar em ensinar habilidades sociais de forma respeitosa e eficaz. Neste artigo, vamos explorar como cultivar o ato de compartilhar de maneira saudável, respeitando o tempo da criança e promovendo empatia e cooperação.
Por que as crianças pequenas têm dificuldade em compartilhar?
Durante a primeira infância, o senso de propriedade é muito forte. Ao contrário do que muitos imaginam, essa fase egocêntrica é natural e necessária para o desenvolvimento da identidade. Compartilhar exige habilidades complexas como empatia, autocontrole e comunicação — capacidades que estão em processo de amadurecimento.
Além disso, forçar o compartilhamento pode gerar sentimentos de injustiça, frustração e até insegurança, pois a criança pode interpretar que “ser gentil” é abrir mão do que ela gosta ou precisa, sob pena de ser repreendida.
Compartilhar é diferente de revezar
Uma das confusões comuns entre adultos é confundir o ato de compartilhar com revezar. Ao dizer “você tem que compartilhar”, espera-se que a criança entregue algo que ainda está usando. Mas, em vez disso, podemos ensinar que, ao terminar, o outro terá sua vez. Isso é revezar — e é mais fácil de entender e praticar para as crianças.
Frases como:
- “Você pode brincar até terminar, depois será a vez do seu amigo.”
- “Vejo que os dois querem o mesmo brinquedo. Podemos colocar um timer para garantir que todos tenham sua vez.”
Esse tipo de fala transmite segurança e ensina respeito mútuo.
O que diz a disciplina positiva?
A disciplina positiva, criada por Jane Nelsen, propõe que crianças aprendem melhor quando se sentem bem, conectadas e respeitadas. Forçar o compartilhamento pode romper esse senso de conexão e gerar mágoas.
Em vez disso, a disciplina positiva orienta os adultos a serem guias respeitosos e firmes, ajudando a criança a desenvolver suas habilidades sociais em seu tempo.
A autora explica que quando os adultos interferem de forma autoritária, estão dizendo à criança: “Você não é capaz de resolver isso.” Já quando encorajam soluções, estão comunicando: “Você é capaz, e estou aqui para ajudar.”
Como ensinar a compartilhar de forma gentil e eficaz?
Aqui estão algumas estratégias baseadas na disciplina positiva:
1. Modele o comportamento
Crianças aprendem observando. Mostre como é dividir algo de forma natural. Diga, por exemplo:
- “Eu tenho dois pedaços de bolo, vou dividir com você.”
- “Você quer usar minha caneta vermelha enquanto eu uso a azul?”
Quando o ato de compartilhar vem de um lugar de generosidade real, e não de obrigação, ele se torna autêntico.
2. Valide os sentimentos da criança
Se uma criança não quiser compartilhar, evite críticas. Diga algo como:
- “Você ainda está brincando com esse brinquedo, e quer brincar mais um pouco. Tudo bem.”
- “Entendo que é difícil entregar algo que você gosta muito.”
Ao validar, ensinamos que todos os sentimentos são aceitos — mesmo que nem todos os comportamentos sejam.
3. Ensine habilidades de resolução de conflitos
Conflitos são oportunidades de aprendizagem. Oriente com empatia:
- “Vocês dois querem o mesmo brinquedo. O que podemos fazer para resolver isso?”
- “Você pode perguntar ao seu amigo se pode brincar junto.”
Esses diálogos ajudam a criança a desenvolver habilidades de negociação, linguagem emocional e respeito.
4. Evite elogios condicionais
Dizer “que bonitinho, você compartilhou!” pode soar como reforço condicional. Em vez disso, use descrições específicas do que foi feito, como:
- “Você entregou o carrinho para sua irmã quando terminou de brincar. Isso foi gentil.”
Esse tipo de retorno ajuda a criança a internalizar o comportamento, sem depender da aprovação externa.
5. Prepare o ambiente
Em locais com muitas crianças, se possível, ofereça brinquedos em número suficiente e organize o espaço para que todos possam explorar. Para objetos que são muito especiais, incentive a criança a deixá-los guardados em situações sociais:
- “Esse brinquedo é muito especial para você. Se quiser, podemos deixá-lo guardado hoje para que ninguém pegue sem querer.”
Essa atitude respeita o apego e ensina sobre limites pessoais.
O papel da paciência e da repetição
Educar para o compartilhar exige tempo. A criança pode precisar viver muitas experiências antes de entender, por dentro, o valor da generosidade. Cabe ao adulto ser consistente, respeitoso e paciente.
Vale lembrar: a meta não é forçar o comportamento correto, mas cultivar o desejo interno de colaborar. Quando a criança sente que sua vontade é respeitada, ela se abre para considerar a do outro.
Considerações finais
Compartilhar não é uma virtude que se ensina com ordens, mas com exemplos, respeito e conexão. A disciplina positiva nos convida a abandonar o imediatismo e confiar no processo de amadurecimento. Ao educar sem forçar, estamos dizendo à criança:
“Você é importante. Seus sentimentos são válidos. E eu confio que você vai aprender, no seu tempo, a cuidar do outro também.”